sábado, 31 de julho de 2010

Nosso primeiro beijo foi num bingo, ele disse que as luzes do caça níqueis me deixavam mais bonita e eu disse que ele fazia careta tocando guitarra. Isso tudo merecia ser selado. 
Na foto ele parecia mais homem do que ao vivo. Mas ao vivo ele me pareceu ainda mais homem do que na foto. Sei lá, eu também não entendi nada. 
Do nada eu tive vontade de perguntar se ele acreditava em casamento, mas fiquei com medo de ele me achar uma dessas loucas carentes em busca do homem da vida. Fiquei com medo de ele ver a verdade. Não perguntei, mas olhei para ele e ele me disse: você acredita em casamento? 
Ele ficou com a mão na minha virilha enquanto eu dirigia, e eu achei aquilo mais inteligente do que todas as páginas do seu livro. Não era uma mão enterrada dentro de mim me sufocando de intenções, também não era uma mão morta de intenções estalando dedos vivos. Eram apenas intenções. 
Eu disse que queria apresentá-lo para meu avô e ele topou, mas quando cheguei no cemitério as portas estavam fechadas. Eu disse que queria comer queijo quente e ele topou, mas quando o lanche chegou na metade eu já estava com aquela ânsia de perfeição e fiquei enjoada. 
Ele é daquelas caras sujos que falam gostosa no seu ouvido, não cheiram a perfume e respiram pesado no seu ouvido para você pensar que está transando. 
Ele é bem o tipo que eu gosto. 
Meu filho vai se chamar João, ou Theo, o dele Pedro. Eu nunca fiquei bêbada, ele nunca não ficou bêbado. Ele me pediu para entrar na casa emprestada dele e eu não quis que ele se emprestasse da minha casa. 
Eu disse que depois me sentia sozinha. Eu disse que sempre me sentia sozinha. Ele disse que então tanto fazia. 
Um negro vestido de negro atravessou a rua escura sem olhar e a gente ficou feliz porque ninguém sabia daquele instante além de nós. Depois eu lembrei que todo mundo passa mas ninguém fica e tive vontade de chorar o choro mais longo e pesado do mundo. 
Eu tive vontade de dormir no peito dele, em cima da camisa ridícula dele. Mas eu fui embora antes que isso pudesse ser mais uma lembrança para o meu jovem mural amarelado. 
Ele me pediu desculpas e eu quis socar o nariz dele. Ele disse que meu nariz era lindo, eu sempre achei isso mas nunca tinha ouvido. 
Ele me perguntou se eu sofria, fizemos cara de dor e mudamos de assunto. Concordamos que o vício pela paixão era estúpido e que conviver solitariamente com nosso umbigo era desumano. 
O carinho dele partia do meu antebraço para as mãos, como se escorresse do meu coração e não mais o enchesse. Era a hora do adeus e de contar, por consideração à noite, que meu cabelo não era liso. 
A claridade trouxe o cansaço de estar em mais um roteiro de cinema independente e ele me pediu mais uma vez que guardasse nosso segredo. Ele saiu do carro envolto numa atmosfera de cervejas e fumaças já digeridas e outros tantos desejos que não iríamos mais digerir. 
Eu fui embora, tendo certeza mais uma vez de que nunca sou eu que vai embora.

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