quarta-feira, 10 de novembro de 2010
a perigo
Eu tô a fim do meu dentista. Ele me explica que basta usar a plaquinha nos dentes da frente que um ponto alto no centro acaba fazendo três pontos na boca e meu bruxismo vai pro saco. E eu fico muito a fim dele. A cadeira tem massagem e no telão passa o show da Rita Lee. Ele me pergunta de três em três segundos se eu estou bem. E eu fico com vontade de chorar de tanta emoção. Eu tô a fim do meu chefe. Ele devolve meu roteiro todo marcado de vermelho. Noventa por cento do que fiz vai pro lixo. Mas ainda assim ele manda um recadinho no e-mail. Que eu sou ótima. Tenho feito boas piadas. Tenho um lindo futuro e esse tipo de coisa. Me chama de essa é a minha garota. E eu percebo que ele faz isso pra ser delicado, afinal, ele sabe que essa vida é dura e da importância de ser gentil com mocinhas. E sim, ele me trata como uma menina. E sim, eu fico terrivelmente a fim dele. Porque eu já sou mulher noventa por cento do meu dia resolvendo tudo o que cai ou permanece dificilmente de pé. Na frente de um homem, às vezes, quando é possível, eu só quero encostar um pouquinho. Se for pra sentir a dureza da vida, já sinto bem e quase no limite, sozinha. E fico a fim dele. Porque ele sabe que pra engolir seco e refazer noventa por cento do roteiro eu preciso ser mulher. Então não custa ele me dar essa meia coxa de colo. Um descontinho da vida. Todo homem inteligente sabe disso. Ou todo homem gente boa. E eu fico terrivelmente a fim dele. Terrivelmente. Eu tô a fim do Raj. Mesmo ele sendo o fortinho bobo das outras novelas. E mesmo ele dançando que nem uma bichinha o tempo todo pela sala cheia de tapetes. Eu tô a fim do professor do Entre os Muros da Escola. Acaba o filme e fico triste. Eu queria namorar o cara, cuidar dele, fazer massagem nos pés, bater altos papos em francês sobre aquelas crianças feias e mal educadas. Eu diria a ele pra dar aula numa escola particular, com criancinhas cheirosas e sem berebas. Até porque eu tô precisando morar num lugar melhor. E a gente terminaria, dividiria os livros, os discos, as fotos. Porque ele seguiria com seu ideal de dar aulas para aquelas crianças feias. E então eu arrumaria outro namorado. Sem ideais mas super bem humorado e com um emprego mais chique. E esse namoro não duraria uma semana. Porque eu sou mesmo é a fim do meu professor idealista. Esse homem bom que eu tenho no fundo de mim. Culto, intelectual, cheio de vontade de melhorar o mundo, sem frescura. Melhor do que eu. O melhor de mim. E eu voltaria pro nosso apartamentinho pulguento fora do centro de Paris. E treparia com ele no lençol furado com cheiro de livro velho. Os dentes dele tipo os ingleses depressivos. E ele puto porque o marroquino sei lá das quantas mandou ele tomar no cu. E isso tem um charme que supera qualquer glamour. Nossa, como eu sou a fim do meu professor. Eu tô a fim do meu massagista. Eu sei que não é normal ele querer tirar nódulos energéticos dos meus seios. Eu sei. Eu sei. Esse é o meu segredo que eu jamais contarei a alguém. Mas eu tô a fim dele. Muito a fim dele. Eu tô a fim do meu colega do curso de dança. Ele sempre me ajuda nas posturas. Sua bacia, Tati. Sua bacia é estranha. Pobre colega de curso de dança. Se ele soubesse como piora. Eu tô a fim do meu gerente que vai me descolar o empréstimo. Eu fiquei mil horas me explicando pra ele. Veja bem, claro que eu vou pagar, não é porque tem um rombo na minha conta que eu não seja muito rica. Porque na minha imaginação, eu sou muito rica. E segundo a minha psicanalista, tudo o que eu imagino é verdade. E só porque ela disse isso agora tô insuportável. Nunca ninguém me deu razão ou compactuou de minha insanidade de uma maneira tão intelectualizada e séria. E ele acha fofo eu ser pobre mas me trata como rica. É o sonho de toda vagininha andante. Ser acolhida como morta de fome e tratada como princesa de Mônaco. Eu tô a fim do garoto baixinho da livraria com o dedão machucado, do House, do vizinho gay aqui de cima que elogiou minhas pimentinhas e do Thom Yorke que piscou o olho caído pra mim. Será que tô à perigo? Não, não, eu acabei de me salvar.
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