Zézim, você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contrário não vai prestar, eu tenho certeza, você poderá enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação:um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.
Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.
É esse tipo de criador que você quer ser? Então entregue-se e pague o preço do pato. Que, freqüentemente, é muito caro. Ou você quer fazer uma coisa bem-feitinha pra ser lançada com salgadinhos e uísque suspeito numa tarde amena na CultUra, com todo mundo conhecido fazendo a maior festa? Eu acho que não. Eu conheci / conheço muita gente assim. E não dou um tostão por eles todos. A você eu amo. Raramente me engano.
sábado, 14 de agosto de 2010
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
São saudades de um mundo onde a gente pode falar de coisas inocentes sem temer parecer ridículo. Onde podemos ser sensíveis e expressar a nossa sensibilidade sem sermos olhados como vítimas de uma doença grave. Onde existem mais diálogos que chamam o coração pra conversa e criam pontes do que os monólogos internos feitos de achismos que só sabem aumentar distâncias. Saudades de um mundo onde a busca pelo conforto da alma é tão necessária quanto a busca pelo conforto do corpo. Onde podemos caminhar pelas ruas, descontraídos, sem temer ser atacados por outro ser humano. Um mundo no qual, em vez de propagar o medo, as pessoas utilizam a sua energia para propagar o amor. Saudades de um mundo que às vezes eu sinto tão intensamente que já parece de verdade. Já parece existir, de algum jeito. Um mundo no qual habito toda vez que eu o vejo.
"Ambos eram conscientes de ter tão poucas coisas em comum que nunca sentiam-se mais sozinhos que quando estavam juntos, mas nenhum dos dois havia se atrevido a magoar os encantos do hábito. Precisaram de uma comoção nacional para perceber, ao mesmo tempo, o quanto haviam se odiado, e com quanta ternura, durante tantos anos."
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Dessa angústia sem fim, que por mais que se transforme em alegria durante a maior parte do tempo, entre conversas e telefonemas, entre o que houve e o que sobrou de tudo o que dissemos, dá a extensão exata daquele adeus, que toda noite se repete, previsto e dolorido. Assim como o outono modifica a paisagem de toda uma natureza planejada, você mexe e balança e destrói toda uma estrutura que há em mim, desarma o que acreditava ser imbatível. Todos os dias, durante todas as madrugadas em que, depois daquela, não tive mais você, tenho pensado que deve haver – precisa haver – um sentido nisso tudo, e quero acreditar que ele existe, mas sempre há um ponto de partida que não sabemos qual é.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Ama-se a vida sem pensar nela, sem manter suas fotos em albuns expostos pela casa inteira. Ama-se a vida mesmo sem enviar-lhe cartas, ou menssagens de boa noite no fim do dia. A vida a gente ama mesmo sem falar dela para todos os amigos e parentes. Eu te amo sem falar de você para ninguem, sem colocar suas fotos ao meu redor, sem te ligar ou pensar em você. Eu te amo mesmo você dormindo longe todos os dias. E assim como ama-se a vida sem precisar de nada disso, eu amo você sem precisar de nada disso. E é porque você está em mim, assim como a vida. É porque a vida sou eu, e você sou eu também, que eu amo os dois, sem precisar de me preocupar com nada, nem em viver, nem com você.
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